ENTREVISTA 30 de abril de 2011
POR: DANIEL REBOUÇAS, FERNANDO OBERLAENDER E PEDRO GARCIA
COLABORA: EDUARDO MATTEDI
Perguntas Enviadas: Aleilto Fonseca, Matilde Matos, Paulo Dourado, Rodrigo Moraes
Fotografia: Márzia Lima
Com um discurso muito firme e muita simpatia, o novo secretário de cultura recebeu a equipe do Caramurê para uma entrevista que agradou a todos que participaram. Defendeu o apoio da iniciativa privada na cultura e comentou sobre carnaval e o teatro da Bahia. Albino Rubin demonstrou que pensa a cultura de forma bem democrática e comentou temas polêmicos como: leis de incentivo e teatro baiano . Assumindo a Secretaria depois de uma gestão que recebeu muitas críticas da classe artística, ele deixou a impressão de estar disposto a enfrentar o desafio da cultura na Bahia, apresentando novas propostas e aprofundando programas já em andamento. Nesta primeira parte da entrevista, o investimento privado e o investimento público na cultura nortearam a discussão.
FERNANDO: Uma das marcas da Secretaria de Cultura, na gestão do governo Wagner, foi a interiorização e promoção da diversidade cultural do estado. Em entrevista a TVE o senhor comentou como uma falsa polêmica esse suposto esquecimento do Estado em relação à capital. Muitos produtores e artistas se queixam que falta verba em Salvador por conta desta interiorização. Como é que o senhor vê isso?
ALBINO RUBIM: Prefiro, em vez de usar a expressão “interiorização”, usar a expressão “territorialização”. Aliás, a Secretaria usou muito mais “territorialização” do que “interiorização”. Porque na verdade se trata de fazer com que a política cultural do estado chegue a determinados territórios. E esses territórios, onde a política não chegava, não são propriamente só os do interior. Os da periferia da capital, também não chegavam. Essa “territorialização” é uma política pra fazer a cultura estar presente naqueles lugares onde antes não era. Isso que foi muito desenvolvido na gestão de Márcio e vamos continuar aprofundando porque é muito importante para a Bahia.
Entender a Bahia com essa totalidade e não apenas com o foco em alguns territórios muito específicos é fundamental. Esse processo de “territorialização” está colado com uma outra coisa que é a ideia de diversidade. Quanto mais territórios você conectar com a cultura, mais possibilidades de diversidade você tem. Isso porque os territórios têm suas singularidades culturais e é preciso que nós tenhamos uma relação com elas. Uma coisa está colada com a outra, “territorialização” e diversidade, pra mim, são irmãs gêmeas.
“Entender a Bahia com essa totalidade e não apenas com o foco em alguns territórios muito específicos é fundamental.”
FERNANDO: A queixa que o mercado cultural tem é que antes, na gestão da direita, havia uma concentração muito grande de verbas aqui. E essas verbas foram diminuídas. O que o senhor pretende fazer para, pelo menos, minimizar essa demanda da capital?
ALBINO RUBIM: Na verdade nós temos vários problemas para enfrentar. O primeiro já vem de longas datas… Uma das coisas que a ditadura fez na Bahia e em outros estados, mas aqui se alongou porque o predomínio carlista manteve isso, foi uma certa debilitação da prefeitura enquanto ente político cultural. Por exemplo, a prefeitura de Recife tem verbas no campo cultural dez vezes maior do que a de Salvador. Assim, o estado terminou tendo que atender uma série de demandas da capital, que na verdade deveriam ser atendidas por uma política municipal como acontece em qualquer lugar. Eu acho que aí tem um pensamento que nós temos de superar na cidade de Salvador. É preciso que o ente municipal tenha uma atuação mais firme, inclusive no campo da cultura. Também não pode se dizer: Ah… Salvador é uma cidade pobre, não tem dinheiro! Recife também é uma cidade pobre e investe dez vezes mais que Salvador no campo da cultura. A segunda questão é a seguinte: se formos botar na ponta do lápis, com relação às verbas que foram gastas em Salvador e as verbas que foram gastas no interior, mesmo na gestão de Márcio, as do interior crescem obviamente, mas não crescem, retirando as verbas da capital, a ponto de gerar um colapso na produção cultural da cidade… Não é assim! Se pegarmos os dados, vamos ver isso. Também os grandes equipamentos culturais estão todos concentrados em Salvador. No interior existem os Centros Culturais, mas estes, por mais que tenham sido ativados, o custo da atuação deles não chega perto dos gastos financeiros de um Teatro Castro Alves, de uma Biblioteca Central, que são pesos pesados em termos de recursos. Segunda coisa: Se pegarmos os recursos distribuídos pelo Fundo de Cultura, a partir dos editais, pelo Faz Cultura, que ainda é mais concentrado do que o Fundo, se percebe que na verdade não existe essa desconcentração. Onde mais aconteceu essa transferência de verba foi em alguns programas tipo os dos “pontos de cultura” mas dois terços desses recursos são do ministério e não da secretaria.
Eduardo Mattedi: Já que você tocou na questão do Ministério… Tem marcado na gestão do estado a mesma lógica do Ministério da Cultura em três dimensões, a dimensão simbólica, econômica, cidadã… Isso vai ser aprofundado, continua essa percepção da Secult hoje?
ALBINO RUBIM: Claro, sem dúvida. Essa é a percepção que foi inaugurada pelo governo Lula, particularmente pelo ministério de Gil e de Juca depois é que foi absorvida pela Secretaria aqui e que deve ter continuidade. Nós temos de ter uma visão da cultura enquanto bem simbólico, isso é importantíssimo e fundamental para o desenvolvimento humano. De outro lado, essa ideia de que a cultura é um direito do cidadão é fundamental. Não existe cidadania plena se não houver uma cidadania cultural. Também a cultura tem uma conexão íntima com o desenvolvimento no plano da economia, porque ela tem se tornado, no mundo contemporâneo, um ativo econômico importante.
Eduardo Mattedi: Os americanos já descobriram isso há muito tempo…
ALBINO RUBIM: Há muito tempo, não é? Mas o mundo está descobrindo isso fortemente agora e nós não podemos ficar fora disso.
Eduardo Mattedi: Os pontos de cultura vivem um momento de ansiedade, angústia com a coisa de continuidade de financiamento, cortes em orçamento em nível nacional. Estamos bem resolvidos aqui na Bahia?
ALBINO RUBIM: Não estamos bem resolvidos porque de qualquer maneira existem alguns passivos, da seguinte ordem: no ano passado o Ministério assinou conosco a possibilidade de que tivéssemos 50 pontos de cultura a mais na Bahia. A Secretaria fez a seleção desses 50 pontos de cultura e o dinheiro não veio. Então, claro, nós estamos negociando com o Ministério para que o dinheiro venha pra nós instalarmos os pontos de cultura, porque é de nosso interesse essa ampliação. Mas eu penso que é um interesse do Ministério também. O programa dos pontos de cultura é um dos mais inovadores que o Brasil conseguiu fazer nos últimos anos e tem sido copiado internacionalmente por conta de sua inovação. Na semana retrasada nós trouxemos Marta Porto que é secretária da cidadania e diversidade cultural do Ministério, e é quem vai ficar responsável por esse programa. A fala dela foi totalmente afirmativa no sentido de ampliação e continuação do projeto, não existe nenhuma dúvida sobre isso. O problema foi realmente de recursos. Havia uma dívida grande, mas não era só conosco. Não fomos só nós que fizemos a seleção e não recebemos. Em vários estados também aconteceu isso. Em São Paulo foram criados 300 pontos de cultura novos e eles também não tinham recebido o repasse do Governo Federal. A dívida com esse programa, o que estava atrasado, se fala que chega entre R$100 e R$150 milhões. Claro, que isso gera um problema no primeiro momento. Não se pode criar os novos pontos sem equacionar isso. Porém eu não vejo nenhuma perspectiva de descontinuidade. Ninguém seria louco de interromper, um programa tão importante, tão inovador. Nós temos todo o interesse do mundo, de ampliar os pontos de cultura da Bahia. Não sei se esse ano, mas nós vamos brigar com o Ministério para fazer isso. Vamos tentar cada vez mais.
FERNANDO: Como a Secretaria tem pensado em agir para ampliar a sustentabilidade no campo cultural para além das iniciativas do estado?
“A Secretaria não pode imaginar que o campo cultural vai, o tempo todo, só buscar verba do estado.”
ALBINO RUBIM: Bela pergunta! Eu acho que é um dever da Secretaria. A Secretaria não pode imaginar que o campo cultural vai, o tempo todo, só buscar verba do estado. Inclusive porque o estado não tem recurso para fazer isso. Em algumas áreas da cultura eu acho que o estado deve botar dinheiro a fundo perdido. Tem áreas da cultura que se o estado não botar recurso, ninguém bota. Isso não é só na cultura, também acontece na ciência. Na ciência pura! Se o estado também não puser dinheiro nesta área, ninguém vai botar! As empresas não botam dinheiro em ciência pura e sim na ciência aplicada. Da mesma maneira no campo da cultura, as empresas botam dinheiro nos setores culturais que tem mais apelo comercial. Naquelas áreas que não tem apelo comercial, seja porque são de vanguarda, experimentais, de cultura popular com públicos restritos ou de cultura indígena, por exemplo, que tem um público extremamente restrito, o estado tem que bancar mesmo. Aqueles que tem uma cultura mais mercantil, que tem já um apelo, tem público, patrocínio e tudo, o estado não deve interferir muito, porque estes já possuem sustentabilidade.
“as empresas botam dinheiro nos setores culturais que tem mais apelo comercial.”
Existe também um campo intermediário imenso e não estou me referindo a valorização de mérito, que nem é uma cultura que deve ser bancada pelo estado, mas também não tem sua sustentabilidade já estabelecida. Nesses casos cabe ao estado ajudar. Ter alguns pontos de apoio, mas ajudar fundamentalmente para que alguns desses setores criem a possibilidade de sustentabilidade, o que não é uma coisa tão imediata. Vou dar um exemplo concreto de um setor que está se discutindo muito na Secretaria: teatro na Bahia. Eu não posso dizer que o teatro na Bahia já é sustentável. Eu acho que ninguém pode dizer isso. Também não é uma área que deva ser bancada pelo estado, muito pelo contrário, a maioria das pessoas do teatro, dito profissional na Bahia, quer que ele se mantenha, que tenha sustentabilidade. Com patrocínio, mas, também com público pagante. Ninguém vai ser profissional de teatro com o estado bancando o tempo todo, não existe profissionalização assim em local nenhum do mundo. Assim nós queremos apresentar uma proposta para a classe, queremos conversar com eles, expor nossa política, nosso intuito de buscar a sustentabilidade do setor. – Como é que podemos fazer isso? Vou dar um exemplo: se conseguirmos desenvolver que nossos centros no interior sejam capazes de fazer um processo de circulação dessas peças, poderão ser ampliados os tempos das temporadas, o que favorece a negociação com os patrocinadores. Então, uma peça que é somente para Salvador, pode ser também para Itabuna, Ilhéus, Conquista, Juazeiro… Com a temporada maior se divide mais os custos e se tem maiores possibilidades de patrocínio. Nós estamos pensando em outra coisa. Quando essas peças forem para o interior, pretendemos criar um mecanismo que banque uma parte desse grupo, que ficaria nessa cidade um tempo a mais, ou mesmo durante o período, para que dêem algumas oficinas de teatro amador. Aí eu acho que o estado pode bancar essas oficinas. Pois interessa também para nós, ter uma política do teatro amador.
“Ninguém vai ser profissional de teatro com o estado bancando o tempo todo, não existe profissionalização assim em local nenhum do mundo.”
FERNANDO: E isso já está em projeto?
ALBINO RUBIM: Está sim, nós estamos discutindo…
FERNANDO: Discutindo com a classe?
ALBINO RUBIM: Não, ainda não chegamos lá. Porque não queremos chegar em uma reunião da classe sem uma proposta muito concreta. Não adianta chegar lá com aquela boa vontade, porque eu acho que as pessoas já estão meio saturadas disso. Nós queremos levar uma boa proposta, não será certamente à melhor proposta do mundo, mas, será uma tentativa de uma boa proposta. Queremos conversar com a classe, que certamente entende muito desse assunto e ela dizer: isso aqui não dá, isso dá. – Por que você está pensando nisso? Então vamos acrescentando e estaremos totalmente abertos a negociações.Esta é uma proposta inicial para se discutir.
Não é só botando dinheiro, existem vários mecanismos e temos que junto com a classe pensar em mecanismos e através deles fazer com que se tenha um bom suporte pro teatro profissional.
Eduardo Mattedi: Esse raciocínio cruza também com a questão da economia da cultura…
ALBINO RUBIM: Por mais paradoxal que seja, o estado no campo da cultura, em algumas áreas, tem que ser o estimulador do mercado.
“Aqueles que tem uma cultura mais mercantil, que tem já um apelo, tem público, patrocínio e tudo, o estado não deve interferir muito, porque estes já possuem sustentabilidade.”
FERNANDO: Com relação a essa sustentabilidade como fica o Fazcultura? Ele é um mecanismo de incentivo. É uma lei que vem da gestão da direita, e que de certa forma foi incorporada, foi mantida, mas hoje já se faz muitas críticas a ele… Os próprios produtores, não estão optando mais tanto pelo Fazcultura. Ele perdeu essa característica de incentivo. Como é que você vê o Fazcultura com essa característica de sustentabilidade? Como é que você vê essa relação?
ALBINO RUBIM: Eu não tenho nada contra a lei de incentivos. A lei de incentivos existe no Brasil e em várias partes do mundo, de formas muito diferentes. Não existe um modelo único de lei de incentivo. Nos EUA se incentiva muito mais a pessoa física do que a pessoa jurídica. No Brasil é ao contrario: pessoa física quase não tem incentivo nenhum.
Nós tivemos aqui uma maneira de pensar muito brasileira. Essa maneira, eu acho comparativamente em termos internacionais, que talvez não seja a melhor. Acredito que devemos aprimorar a lei de incentivo no Brasil, inclusive porque os dados não são os mesmos. O Ministério divulgou alguns dados que são preocupantes. Como é que você tem um mecanismo de lei de incentivo que tem 18 anos, sendo que nesses 18 anos só 5% do dinheiro que foi colocado via lei de incentivo era dinheiro privado. Qual o objetivo primeiro desse tipo de lei? É incentivar investimentos privados para a cultura. Como é que você tem uma lei de incentivo que 95% do dinheiro é dinheiro público?
“Acredito que devemos aprimorar a lei de incentivo no Brasil.”
Eduardo Mattedi : … de renúncia fiscal!
ALBINO RUBIM: É complicado, nós temos que repensar isso. Temos que remodelar a lei de incentivo, a parte da iniciativa privada tem de ser maior. Existem maneiras mais interessantes.
“Como é que você tem uma lei de incentivo que 95% do dinheiro é dinheiro público?”
Eduardo Mattedi: A proposta de reforma da lei Rouanet aponta um pouco nesse sentido…
ALBINO RUBIM: Claro! Outra coisa que não tem sentido é a lei de incentivo ter 100% de isenção. Olhe só que paradoxo: a lei é de incentivo! É para incentivar a iniciativa privada a investir na cultura e se dá isenção de 100%!
“Temos que remodelar a lei de incentivo, a parte da iniciativa privada tem de ser maior a lei de incentivo não pode ter 100% de isenção.”
Eduardo Mattedi:..Pra quê então passar pela empresa?
ALBINO RUBIM: Não tem sentido passar pela empresa para decidir com o dinheiro público. É claro que a empresa deve decidir mas só se ela investir. Em alguns países quanto mais a empresa aporta, mais ela tem condição de decidir. Quanto menos é o aporte de recursos da iniciativa privada, menos ela tem condições de decidir. Esse mecanismo é muito interessante, porque se a empresa quer definir tudo ela aporte o dinheiro dela. Este pensamento se aproxima do marketing cultural. Acontece assim em outros países, eu não estou inventando nada.
“a empresa deve decidir mas só se ela investir.”
FERNANDO:… Mas a cultura do empresariado baiano é de não investir!
ALBINO RUBIM: O que prova que as leis de incentivo, com esse tempo todo de vigência, não conseguiram levar os empresários a consciência de investir na cultura.
Inclusive grande parte dos investidores que utiliza esse tipo de mecanismo é de empresas estatais…
“as leis de incentivo, com esse tempo todo de vigência, não conseguiram levar os empresários a consciência de investir na cultura.”
Eduardo Mattedi: O que seria das atividades culturais se não fosse as Petrobrás, as Caixas Econômicas…
ALBINO RUBIM: Eu acho que é muito importante que a iniciativa privada invista na cultura. Não tenho preconceito com isso, muito pelo contrário. Quanto mais o empresariado colocar dinheiro na cultura mais eu como secretário vou ficar feliz. O que tem que se encontrar são mecanismos que sejam interessantes para que esse dinheiro chegue e que as empresas também sejam contempladas com isso.
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