RIO - "Sou uma pessoa calma", diz Ana de Hollanda, a ministra da Cultura que está de novo sob bombardeio. Em quatro meses, é a segunda vez que pedem sua saída do ministério, desta vez apoiando-se em denúncias de fraude na arrecadação de direitos autorais no Ecad, uma sociedade privada, sobre a qual não tem poder legal de fiscalização. Mas corre na internet um manifesto com dois mil nomes defendendo mudanças na Cultura e parlamentares se movimentam no Congresso para pedir explicações sobre a questão dos direitos autorais, tema que incendeia o debate entre criadores. Nessa zona conflagrada, a ministra navega com cuidado mas garante que o ministério não está à deriva e mantém o apoio da presidente Dilma. Na próxima semana, uma equipe vai visitar o Ecad para descobrir uma fórmula de cobrar transparência da associação.
As denúncias de fraudes no Ecad estão causando de novo instabilidade no seu
ministério. O que acontece?
ANA DE HOLLANDA: É provocada pela mesma turma, é o mesmo tipo de manifestação. Eles ficam buscando assunto para criar uma crise. No domingo, disseram que a Dilma me chamou para pedir explicações, e ela estava em São Paulo em tratamento médico e eu, em Pernambuco, no festival de cinema. São grupos ligados ao PT, à cultura digital. No entanto, nós temos uma relação muito boa com o PT e a nossa diretora de cultura digital é uma pessoa muito respeitada. Existe um movimento orquestrado, são os mesmos do "fora Ana", do twitaço, que voltam com o mesmo assunto, ignoram o que estamos fazendo. Continuo aberta para o diálogo. Mas tem gente que não quer conversa, só gritar "fora Ana"...
Como o ministério vai tratar as denúncias de fraude? A instituição é privada mas acaba repercutindo no ministério...
Toda denúncia tem de ser investigada, e são denúncias muito graves. Mas não tem nada a ver com a gente. Nós temos que supervisionar, fazer algum tipo de acompanhamento. A Diretoria de Direitos Autorais programou uma visita na próxima semana para ver como funciona (o Ecad) e tentar acompanhar o processo de trabalho deles.
A senhora vai tomar alguma medida mais dura contra o Ecad?
Eles (das associações de arrecadação) vão verificar o que está acontecendo e, pelo que sei, vão pagar aos prejudicados. Não temos como intervir numa associação privada e nenhuma das denúncias tem relação com o ministério. Nunca disse que o Ecad funcionava muito bem, até porque não tenho acesso aos sistemas internos. Agora, a forma como está arrecadando, cobrando e repassando o dinheiro dos músicos tem de ficar muito clara e tem de ser transparente, o que não vem acontecendo. O processo tem falhas, como eles próprios reconheceram. Na Cultura, o que podemos fazer é acompanhar mais de perto mas dentro dos limites da lei - o poder de fiscalização nós não temos. Pessoas se autointitularem autores de uma obra é sinal de descontrole e, portanto, é necessário supervisionar esse processo. Precisamos saber como cobrar transparência, mas ainda não tenho a fórmula.
Um dos envolvidos nas fraudes insinuava que tinha ligações no Ministério da Cultura e falava de "uma amiga" que ajudava. A senhora viu isso?
Eu tenho relações com várias pessoas no mundo da cultura. Por exemplo, Fernando Brant, Ronaldo Bastos, Marcos Vinícius Andrade, são músicos e eu tenho relações com eles, mas não têm nada a ver com a questão de direitos autorais. Qual é o fato concreto que se coloca? Não temos. Se alguém falou em "nossa amiga" eu não tenho nada com isso e não vou sair perguntando por aqui quem foi.
Como está a sua relação com a presidente Dilma? A senhora discutiu com ela esses ataques frequentes?
Esse é um assunto que o pessoal do Planalto não está considerando. Não dá para ficar parando tudo por isso. Eles dizem que é assim mesmo, que eu não me preocupe. A relação com a Dilma está boa, tenho me encontrado com ela com frequência. Dilma tem uma relação forte com a cultura. Ela fez a exposição da Tarsila do Amaral, me ligou de manhã para dizer que queria a Cultura na coordenação, eu estava presente à abertura da exposição, me chamou para o discurso. Outro dia fomos para Ouro Preto, voltamos juntas de avião. Fomos também para Manaus juntas, temos um trabalho muito próximo.
A senhora consegue manter a calma?
Sou uma pessoa calma. Lido mais ou menos bem com essa questão, não é minha primeira experiência na vida pública. Tem gente que fica ansiosa, mas digo que não podemos cair neste tipo de armadilha. O governo tem confiança na gente.
Isto tudo está paralisando o trabalho?
Estamos trabalhando muito. O Ministério da Cultura está para anunciar as praças do PAC, que serão coordenadas por nós. Estamos trabalhando também em várias ações estratégicas, de cidadania. Há dois dias, estávamos tratando do Procultura (a nova lei de incentivos fiscais que está no Congresso), discutindo como dar a pontuação aos espetáculos - se será no Sudeste ou no Nordeste, se o ingresso vai ser barato, tudo isso conta pontos e os artistas têm posições diversas sobre esse tema. Acabamos de liberar R$ 150 milhões para os Pontos de Cultura, verba que estava atrasada há mais de um ano. Estava agora discutindo a Lei de Direito Autoral, um dos temas polêmicos.
Em que ponto do processo está a Lei de Direito Autoral?
Estamos esclarecendo as últimas questões e até julho, no máximo, estará na Casa Civil. É uma questão polêmica no mundo inteiro, estamos numa fase de grandes mudanças. Com a entrada da internet, ficou mais fácil copiar tudo e precisamos considerar a internet para divulgar a cultura brasileira. Como usar a tecnologia digital e manter a remuneração do trabalho é uma questão que preocupa o mundo todo.
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